quinta-feira, março 19, 2009

O Ser / Não-ser

quinta-feira, março 19, 2009
O ser se encontra completo quando se torna antagônico em si
É preciso ser tudo e é preciso ser nada
É preciso ser tudo em si e nada para si
Só o coração inerte em escuridão sabe contemplar a luz
Os olhos que nunca viram o desespero não saberão reconhecer um momento de felicidade
Assim como os ouvidos que nunca ouviram uma mentira não irão perceber o valor da verdade
A boca que nunca proferir uma palavra de ódio dificilmente saberá dizer eu te amo
É preciso ter dois braços, um forte para saber bater e um fraco para saber acariciar
É necessário ter duas pernas, a perna da emoção pra poder ir e a da razão pra saber a hora de voltar, preferir uma à outra é simplesmente estupidez. É se aleijar por opção. É não querer andar
Ser e se permitir não-ser
Pois o ser se encontra completo quando se torna sinônimo de si
Quando ser e não-ser significam uma coisa só: humano

segunda-feira, março 02, 2009

Pequeno Conto de um Amor Literalmente Cego

segunda-feira, março 02, 2009
Sem querer soar irônico, mas foi realmente amor a primeira vista. Pelo menos para Renato, já que, Ana havia perdido a visão na infância, graças a uma mãe descuidada e uma panela de óleo quente. Há anos ela tentava um transplante, mas a fila de espera era enorme e as chances de um doador compatível eram cada vez mais remotas. Com o tempo as esperanças diminuíram (já percebeu que a esperança é a última que morre, mas é a primeira a querer se suicidar?).
Renato era um homem de hábitos simples, sem muitos amigos, muito inteligente, mas de um coração tão impulsivo quanto inocente. Um típico sonhador que ainda acreditava em amor.
Os dois se conheceram de maneira comum, não houve nada de especial, se esbarraram no meio de uma avenida no centro e ela precisava de alguém para ajudá-la a atravessar a rua.
O que nenhum dos dois esperava foi o estranho sentimento subindo pela espinha quando os braços se entrelaçaram. Uma sinfonia de dois corações, um frio que de repente tremia as pernas e um calor que esquentava as mãos. As batidas no peito eram marcadas a cada novo passo, em uma sintonia inesperada com a faixa de pedestres. A partir daí os braços não se soltaram mais.
Ele decidiu levá-la a um bar ali perto. Não era grande coisa, mas ele pensou consigo mesmo: “Ora essa, ela cega! Desde que não sinta o horrível cheiro de suor dos ambulantes e não ouça os palavrões dos trocadores de ônibus, está tudo bem.”
Beberam e conversaram a tarde toda. Trocaram telefones, endereço, Orkut e etc. Começaram ali um romance que duraria alguns meses sem maiores problemas.
Depois de algum tempo e declarações de amor de ambas as partes, Renato resolveu pedir Ana em casamento. Ela recusou.
Foi pior que um tapa na cara (todo homem sabe que depois de um chute no saco, nada dói mais que um tapa na cara. Acho que é alguma besteira a ver com o ego).
Ele não entendia o motivo. Em todas as vezes que ensaiou o pedido diante do espelho, isso nunca aconteceu. O final que imaginava era sempre feliz e nem em seus piores pensamentos aquele “não” lhe passou pela cabeça. Ele tentava argumentar e ela dizia:

- Eu te amo. Muito. Mas não quero ser um fardo para você. Minhas chances de voltar a enxergar são mínimas e não vejo futuro para nós se eu continuar desse jeito. Gostaria de poder acordar pela manhã e olhar seu rosto, mas infelizmente acho que isso nunca vai acontecer. Nunca!

- Mas...

Ela permaneceu irredutível. Ele, frustrado, bateu a porta e foi caminhar pela rua. Ficou horas pensando naquela discussão, imaginando e refazendo os lábios da mulher que amava dizendo aquele terrível “não”... “Não!”
Não! Ele não podia aceitar, não ficaria sem a mulher que amava. Correu para casa com aquele único e estúpido pensamento na cabeça. Infelizmente não havia nenhum amigo por perto para fazê-lo mudar de idéia.

Alguns meses já haviam se passado e Ana não teve mais notícias de Renato após aquela discussão.
Ela possuía um misto de preocupação e felicidade, pois não via a hora de encontrá-lo e contar as novidades. Queria lhe contar que naquele mesmo fatídico dia, havia recebido um telefonema, dizendo que surgira um doador inesperado e poderia fazer o transplante pelo qual esperou tantos anos.
A cirurgia havia sido um sucesso. Agora ela podia enxergar o mundo e todas as suas cores, agora ela poderia vê-lo todas as manhãs e lhe amar por inteiro. Agora ela lhe diria sim.

Neste instante alguém bateu à porta. Era Renato.

- Vim lhe pedir novamente em casamento. Sei que você voltou a enxergar e agora não será mais um fardo para mim. Você vai poder me ver todas as manhãs e eu te amarei para sempre, como ninguém nunca amou alguém. Casa comigo?

- Mas... você é cego!?

- Sim. E daí?

- Eu não posso aceitar. Desculpe. Não sabia que você era cego também. Acho que agora que voltei a ver o mundo em toda a sua alegria e perfeição, não conseguiria viver com você. Não posso viver ao lado de alguém que me lembre tanto esta vida de escuridão que quero deixar no passado. Não posso carregar esse fardo. Não posso casar com você.

- Mas...

- Você entende, não?

- Não. Não entendo. Mas será que você pode me fazer apenas um favor?

- Sim, claro.

- Viva a sua vida intensamente. Viaje o máximo que puder, veja todas as maravilhas do mundo e explore todas as suas formas e possibilidades. Aproveite bem os MEUS olhos!

Deu as costas e nunca mais se viram. Literalmente.
 
Escritor do Caos © 2008. Design by Pocket