quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Porque Não Uso Mais Fones De Ouvido No Ônibus

quarta-feira, fevereiro 02, 2011
Decidi outro dia desses que não uso mais fones de ouvido no ônibus. Não só no ônibus, mas no metrô, trem ou qualquer outro coletivo desses que rodam por aí. A ideia é simples: você não tem noção das histórias que deixa de ouvir e pessoas que deixa de conversar apenas por estar usando fones de ouvido. Tomei essa nova resolução pra minha vida na ultima vez que encarei o transporte público e esqueci meus fones em casa. A história se deu mais ou menos assim:

Tive a infelicidade de cair em uma daquelas falhas da vida. Aquelas coincidências injustas, sabe? Ou seja, exatamente no seu primeiro dia de folga em meses de trabalho, sua mãe precisa daquele favor irrecusável. O pior é que se você ousar dizer que não pode, ou que está cansado, ela começa a reclamar de como te carregou nove meses na barriga, de como você era problemático e resolve usar toda a sua infância pra fazer chantagem emocional.

Depois da derrota contra minha progenitora (dica: quero ver TV e quero dormir até o meio-dia não são argumentos válidos nessas horas) aceitei minha missão: pegar aquele exame médico de rotina, na clinica mais esquecida por deus do outro lado da cidade. Infelizmente, só percebi que estava sem meus fones de ouvido pra me distrair durante a viagem quando entrei no coletivo, e me deparei com todas aquelas pessoas com “cara de ônibus” (já reparou que todo mundo tem a mesma cara dentro do ônibus? Aquela feição triste e cansada de quem olha pra janela e não vê a hora de chegar em casa, só para no outro dia começar tudo de novo? Então, essa cara.)

A viagem de ida foi perdida nos meus xingamentos próprios, imaginando o que estaria passando na tv àquela hora. Cheguei a clinica, peguei os exames e iniciei minha jornada de volta. Já no ônibus, sentei próximo a janela e comecei a observar. Atrás de mim haviam dois homens discutindo política e soltando algumas pérolas do tipo ”na época do Getúlio não era assim...” e mais a frente um adolescente fingia estar dormindo só para não dar lugar à velhinha em pé na frente dele. Até que ela surgiu! Ainda correndo para pegar o ônibus que já saía do ponto, ela entrou. Linda, morena e perfeita em seu uniforme de atendente de telemarketing. Lançou aquele leve olhar de “com licença” na minha direção e sentou-se ao meu lado. Eu não iria desperdiçar uma oportunidade daquelas. Uma mulher assim não aparece no mesmo ônibus que você todo dia, e afinal, sem os meus fones de ouvido não havia nada melhor pra fazer. Naquele momento comecei a pensar o que poderia dizer para puxar conversa e estupidamente soltei:

— Eu esqueci os meus fones de ouvido em casa hoje. (o que eu tinha na cabeça pra falar aquilo?)

— Hãn?

Percebi que ela não havia entendido nada e comecei a formular uma teoria de improviso:

— Já reparou que hoje em dia as pessoas quase não conversam mais dentro do ônibus? Elas só se preocupam com o seu próprio mundinho e resolvem se trancar nele através de um celular ou um mp3.

— É verdade! É uma pena, pois sempre se pode encontrar gente muito interessante dentro do ônibus.

Fiquei perplexo. Não é que ela realmente entendeu a minha teoria? Continuei a falar:

— Acho que as pessoas estão muito individualistas atualmente. Às vezes nosso próximo melhor amigo pode estar sentado ao nosso lado e nem nos damos conta.

— Ou nosso próximo namorado. Complementou ela, com um sorriso lindo no rosto.

A partir daí começamos a conversar sobre tudo. Trabalho, família, relacionamentos e tudo o mais. Ela reclamava do telemarketing e eu reclamava da minha mãe. Enquanto ela falava, viajava em meus próprios pensamentos (faço muito isso. Acho que sou meio autista). Fiquei imaginando como seria bom me envolver mais com aquela mulher, agradeci aos céus a sorte de estar naquele ônibus, divaguei sobre como seríamos felizes e qual seria o nome do nosso cachorro. Percebi então que estava diante da mulher dos meus sonhos.

Até que de súbito ela levantou e começou a se despedir:

— Tchauzinho! Bom te conhecer.

— Até mais! Foi um prazer te conhecer também. Respondi ainda sobre o efeito dos meus pensamentos.

Foi somente quando ela desceu e deu um ultimo aceno pela janela que percebi o quanto eu era idiota. Esqueci-me de perguntar o nome dela. Fiquei tão perdido nos meus devaneios estúpidos que nem trocamos telefones e agora nunca mais veria aquela atendente de telemarketing novamente. Em apenas alguns segundos ela se tornou a ex-futura mulher da minha vida e eu já começava a sentir saudades do meu ex-futuro cachorro.

Cheguei em casa arrasado, mas quando já começava a aceitar a perda daquela mulher. O telefone tocou. Era ela! Muito mais esperta que eu, ela viu os exames na minha mão, foi até a clinica e conseguiu o meu telefone. Quando atendi ouvi aquela voz maravilhosa dizendo:

— Você ainda esquece os fones de ouvido em casa?

O resto fica pra próxima...
     
 
Escritor do Caos © 2008. Design by Pocket