terça-feira, maio 31, 2011

O Escritor de Guardanapos

terça-feira, maio 31, 2011

É sempre assim. Sinto como se estivesse me tornando um clichê de filme independente. Sempre que me decepciono e preciso esquecer alguém, me encontro aqui. Na mesma rua, no mesmo bar, pedindo essa mesma cerveja à este mesmo garçom, que a esta altura já me considera seu melhor cliente. Eu realmente venho muito aqui.

Além da cerveja de sempre, peço também alguns guardanapos extras. Veja bem, gosto de escrever, mas não sou muito bom com as palavras, então escrevo em guardanapos. O guardanapo é a metáfora perfeita das minhas desilusões: práticos e descartáveis. Além do tamanho exato de que preciso, pois como só consigo escrever duas ou três linhas, preencho todo o branco do papel. Geralmente são frases soltas, e aforismos que resumem a ultima “mulher da minha vida” ou o mais recente “dessa vez é ela”, que permeiam a minha cabeça. Tenho centenas desses guardados em casa, para talvez um dia, juntar tudo e escrever um livro. Tá bom, eu admito! Eu nunca vou escrever um livro.  Quem leria esse tipo de coisa?

Estava ali distraído, escrevendo meus desapontamentos e catando alguns guardanapos perdidos no bolso da jaqueta surrada quando ela apareceu. Nunca a vi naquele lugar, mas era linda. Cabelos negros, uma perfeita pele que não sei definir a cor e aquele olhar de quem vai te trucidar caso você seja estúpido suficiente para se apaixonar. É óbvio que me apaixonei na hora. Inesperadamente, ela me olhou por alguns segundos e veio em minha direção. Já estava me preparando para mostrar o relógio, pois uma mulher dessas só falaria comigo para perguntar as horas. Imagine minha surpresa quando ela se aproximou e perguntou o que eu estava escrevendo. Meio sem jeito, respondi:

- São só algumas anotações. Nada demais.

- Dor de cotovelo? Ela disse espiando o guardanapo por cima do meu ombro.

- É mais ou menos isso. Na verdade é sobre o meu ultimo desengano com as mulheres.

- O que aconteceu?

- Como diria Nietzsche, “Não foram as mentiras, mas sim o fato de não acreditar mais nelas que me perturbou”. Logo, a decepção foi inevitável.

- Entendi. Tá afim de mais uma? Sabe com dizem, o melhor amor é sempre o próximo.

Sem entender nada, mas curioso com as intenções dela perguntei:

- Como assim? Você quer ser minha próxima decepção?

- Exatamente! Encare-me apenas como uma mulher de altruísmo meio distorcido. Nós teríamos um caso de algumas semanas, intenso e inesquecível. Mas em pouco tempo eu terminaria tudo dizendo “o problema é comigo e não com você” ou “preciso de mais espaço”. E depois da decepção você voltaria para este bar, apenas com outro rosto para um mesmo problema, mas com certeza já terá esquecido aquela sobre quem escreve nesses guardanapos.

 Fiquei espantado com a sinceridade dela e tentei ir mais afundo na conversa:

- Então você quer que eu simplesmente te entregue meu coração em uma bandeja por algum tempo, só pra depois você enjoar e devolvê-lo?

- Você ainda não entendeu. Eu nunca vou devolver ele pra você. Nossa relação vai ser tão forte, que você vai viver comparando todas as mulheres que conhecer àquela falsa impressão do que tivemos um dia. Você nunca vai conseguir acreditar que alguma delas vai ser melhor que eu. E apenas quando estiver muito mal ou carente, vou te procurar, mantendo assim seu coração sempre comigo e te deixando basicamente com um vazio no peito.

Parecia que cada palavra cortava a minha garganta. Aquela mulher descreveu cada relacionamento que já tive em apenas alguns minutos. Comecei a me perguntar por que eu agia daquela maneira. Será que isso sempre foi parte de mim? Será que faço isso por algum prazer doentio? Será que valeu a pena?

De súbito ela me resgatou dos meus pensamentos dizendo:

- E então? O que acha de me levar em casa?

Vendo a malícia naqueles olhos, respondi com um sorriso meio cínico, e já chamando o garçom disse:

- Tudo bem! Mas antes vou precisar de mais alguns guardanapos.       
 
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