quarta-feira, novembro 18, 2009

Esses cariocas não me enganam

quarta-feira, novembro 18, 2009

Sempre tive tendências hipocondríacas. Desde pequeno, minha mãe acostumou-se aos meus ataques desesperados para ir ao médico. Toda vez que eu me via com uma simples mordida de mosquito, cismava ser uma doença genética rara que só eu possuía. Não sei de onde eu tirava essas ideias, mas sempre acreditei que de uma hora pra outra ficaria famoso por um mistério da ciência qualquer que seria descoberto em mim. Obviamente, isso já gerou algumas histórias constrangedoras e não é incomum um ataque de paranóia pra completar a desgraça.

Entre muitas, lembro dessa em particular:
O cenário era um típico carnaval de cidade pequena, no interior de Minas Gerais. Não sei bem porque, mas eu e alguns amigos achamos que seria uma boa idéia se enfiar em uma casa de 10m² com um quarto e um banheiro sem água encanada. Acho que foi a promessa de álcool em abundância e mulher fácil (não precisamente nesta mesma ordem). Aliás, nunca acreditei muito nessa lenda de que carioca consegue o que quiser em qualquer lugar, mas o pior é que é verdade. Lembro perfeitamente do sentimento de sair nas ruas e todo mundo me olhar cochichando, “Olha! Não é aquele menino que veio do Rio?”.

A certa altura, me acostumei em ser a notícia de cidade pequena e comecei a me achar um verdadeiro Rock Star. Nem preciso mencionar que isso gerou alguma facilidade com as mulheres. Facilidade essa muito bem vinda. Afinal, o que poderiam querer seis cariocas no auge da adolescência, livres das amarras dos pais e soltos em uma cidade totalmente estranha? Resposta: sexo.

Confie em mim, não há nada mais engraçado que um bando de loucos ávidos por uma noite com uma estranha qualquer. Os rituais antes de sair para os blocos eram os mais hilários. Um dizia que tal camisa dava sorte e ficava com ela a semana toda sem lavar, outros se cobriam de perfume em todos os cantos (eu disse todos os cantos) e por aí vai. Eu me contentava apenas em estar com uma cueca limpa.
Os dias foram passando (nenhum sem que estivéssemos completamente bêbados) e o carnaval foi chegando ao fim. Começava a surgir uma aura desesperada por sexo no ar, pois até a terça-feira de carnaval apenas dois de nossos amigos haviam conseguido arrastar alguma mulher para casa com sucesso. E eu, que não era um deles, já havia me conformado em voltar pra casa sem a minha dose. Até que tive meus momentos de prazer nos blocos, mas nada que chegasse ao objetivo final do sexo. Como as mulheres estavam se mostrando mais difíceis do que imaginei, coloquei uma cueca suja qualquer e fui pra rua sem me preocupar.
Ironicamente, foi a noite em que consegui o que todos queriam.

Não vou entrar em detalhes desnecessários, até porque não me lembro deles, mas sei que sem precisar usar muitas palavras dei por mim na cama com aquela mulher maravilhosa (eu sei que exagerei, mas a história é minha e você não estava lá pra desmentir). Transamos e enquanto conversávamos me bateu a já conhecida paranóia hipocondríaca e o seguinte pensamento começou a circular minha cabeça sem parar:

“Eu estou em um lugar totalmente estranho. Com uma mulher que eu nunca vi na vida. Não sei de onde ela vem ou o que faz, e não tenho certeza se lembro o nome dela. Puta que pariu! Eu posso ter acabado de transar com a maior puta desta cidade.”

Perceba que eu não me preocupava com a falta de prevenção, sempre uso camisinha. O que me atormentava era o fato de ter ido com a minha boca à lugares que normalmente não se vai com uma desconhecida (você não esperava que eu dissesse que chupei a garota toda, não é?).

Com a certeza perturbadora de uma DST na língua, deixei a pobre coitada falando sozinha e corri pro banheiro pra escovar os dentes. Escovei uma, duas, três vezes. Mas ainda não acreditei ser o suficiente. Desesperado, vasculhei por todo o banheiro algo como desinfetante ou água sanitária, mas não encontrei. Foi então que num ultimo acesso de esperança avistei um vidro de Cepacol. Sem pensar duas vezes entornei o vidro, que para minha infelicidade, alguém havia esquecido aberto e na mesma hora soltei um berro quando o líquido caiu nos meus olhos: “Ah! Esqueci que essa porra tem álcool.”
Meus olhos queimavam de maneira torturante e qualquer tentativa de diminuir o vermelho que eles adquiriram se mostrou em vão.
Lá de fora alguém gritou: “Tá tudo bem aí? Ouvi um grito.” Havia me esquecido completamente da desconhecida lá fora. “Vamos logo. Eu preciso encontrar com algumas amigas.” Disse ela.
Saí do banheiro com medo de parecer um idiota, e tentando ser otimista pensei: “Talvez ela nem repare nos meus olhos”. Quando me viu a primeira coisa que ela disse foi: “O que aconteceu com os seus olhos?”.

Passado o constrangimento, me despedi da provável causadora da minha morte e fui contar a história para os amigos. Curtimos o último dia de carnaval bebendo e rindo da minha cara. No dia seguinte, acordei sendo estapeado por um de meus amigos. Ele me enchia de socos e ponta-pés enquanto gritava: “Acorda filho da puta! Você acabou com o meu Cepacol. Vai ter que comprar outro.”

E lá fui eu, de olhos vermelhos, por uma cidade pequena, à procura de um vidro de Cepacol. Quando saía da farmácia ainda tive tempo de escutar o tiozinho no balcão: “Esses cariocas não me enganam. Com olhos vermelhos assim só pode ser maconha.”

 
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