quarta-feira, novembro 24, 2010

Não entre na montanha russa

quarta-feira, novembro 24, 2010
Outra madrugada dessas, voltando de mais uma tentativa fracassada de esquecê-la, resolvi voltar andando para casa. Fui me escorando pelos muros da rua enquanto derramava cerveja pela minha jaqueta e resmungava algumas músicas. Até que o momento que me definiria pelo resto da minha vida aconteceu.
Dobrando uma esquina qualquer, passei por um mendigo sentado no chão. Nem repararia no sujeito maltrapilho e misturado à paisagem se ele não tivesse me gritado:

- Não entre na montanha russa!

Normalmente eu faria como a maioria das pessoas, achando que era só mais um coitado esquizofrênico e continuaria meu caminho. Mas ainda não sei bem porque, talvez fosse o álcool, resolvi parar:

- O que disse?

- Não entre na montanha russa!

“O que isso quer dizer?” Perguntei com medo da resposta.

- Quer dizer que eu já estive exatamente onde você está agora. Em pé, de frente para um mendigo maluco, apertando cada vez mais forte a garrafa na mão. Decepcionado com as mulheres. Com uma mulher em particular. E vim parar aqui porque não ouvi aquele maluco. Eu entrei na montanha russa.

Naquele momento gelei. Como ele sabia que eu estava sofrendo por uma mulher? Minha dor seria tão aparente assim? Ainda hesitante pedi que ele explicasse melhor:

- O que é essa montanha russa afinal?

- Imagine, meu amigo, uma grande montanha russa. A mais alta e incrível de todas.

- Estou imaginando. Continue.

- Imagine, meu amigo, que andar nesta montanha russa será a melhor experiência da sua vida. Não há nada igual no mundo. Ah, o vento no rosto trazendo a sensação de liberdade, a adrenalina da subida e a emoção da descida. É excitante e você quer andar cada vez mais.

“Prossiga”. Eu já ficava impaciente.

- Agora, imagine que a montanha russa tem um pequeno problema. No fim de cada volta, você tenta descer e tropeça em um degrau tortuoso. Você cai e se machuca. É inevitável... quantas vezes você andar nesta montanha russa, é quantas vezes você irá tropeçar e se machucar. Uma dor insuportável sempre.
 
- Sim, e daí?

“E daí? Eu é que lhe pergunto:” Disse o mendigo com um sorriso no rosto.

- Sabendo disso... que mesmo sendo a melhor sensação da sua vida fazer tal viagem, e sempre que desembarcar você vai se machucar... você ainda entraria na montanha russa?

Aquela pergunta me atingiu como se fosse um soco no estômago. Senti-me nauseado, me perguntando se aquilo realmente estava acontecendo ou se era o efeito tardio da cerveja. Aquele homem sujo no chão acabara de descrever todas as minhas relações amorosas. Lembrei imediatamente de todas as mulheres que passaram pela minha vida. Lembrei-me dela. De todas as vezes que entrei na maldita montanha russa. Só então percebi o mendigo falando comigo:

- E então? Responda.

Foi então que, ainda absorvendo aquela ideia inquietante que acabara de ser empurrada pelos meus ouvidos adentro, vi meu reflexo na garrafa em minha mão. Toda a angustia do meu rosto reluzia no vidro verde e repentinamente fui reconfortado por uma estranha melancolia. Percebi que toda a dor que eu sentia pelo abandono daquela mulher, era a coisa mais genuína que poderia me acontecer, pois me lembrava, mesmo dolorosamente, de todo o amor que eu senti por aquelas mulheres. Por aquela mulher em especial. Acreditei pela primeira vez que valera a pena. Virei-me para o sujeito no chão e respondi:

- Eu não sou igual a você.

“Como não?” Perguntou surpreso, o homem.

- Você entrou na montanha russa, viveu o amor, caiu e agora esta aí, sentado no chão... certo?

- Certo!

- Pois é. Eu também entrei na montanha russa, mas nunca tive medo de me levantar.
 
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