domingo, junho 28, 2009

O Pêssego, o Vidro e as Pernas.

domingo, junho 28, 2009

Vamos aos fatos:

Fato 1 – Eu odeio pêssego.

Fato 2 – Tenho 7,5 graus de miopia.

Fato 3 – Eu realmente odeio pêssego.

Dados os fatos, vamos a uma breve introdução (sem trocadilhos, por favor):

Conheci Camile de maneira comum e casual. Uma sexta qualquer de uma noite carioca no bairro da Lapa, regada à cerveja e tentativas medíocres de sambar ao som do grupo que tocava debaixo dos arcos.

Ela era linda. Uma loira de 19 anos, olhos claros e que sabia usar o corpo que tinha pra chamar a atenção. E “quê” corpo. Ela estava sambando e todos os olhos da noite estavam concentrados naquelas pernas.

Pensei comigo mesmo: “Preciso conhecer essa mulher.”

Por alguma sorte (ou não), descobri que tínhamos um amigo em comum e pedi que me apresentasse.

- Oi, tudo bem? Será que você me ensinaria a sambar assim?

- Depende. O que eu vou ganhar com isso?

- Bom, tudo o que posso te oferecer agora é minha cerveja.

Ela pegou a garrafa da minha mão, deu um gole daqueles (foi a primeira vez que não fiquei puto por beberem minha cerveja) e começou a dançar com aquele corpo maravilhoso perto do meu. Quando me dei conta, já estávamos nos beijando. Transamos na mesma noite. (Sempre admirei as propriedades facilitadoras do álcool).

Desse dia em diante não consegui mais tirar Camile da cabeça e continuamos nos vendo por mais alguns meses. Tudo estava indo bem até que um dia ela me convidou pra um almoço de domingo em sua casa e me disse querer que eu conhecesse seus pais.

Abro aqui um parêntese: (Nunca tive nada próximo de um namoro até aquele momento. Houve oportunidades, mas eu sempre recusara. Sempre ouvi falar muito bem desse tal de amor, e exatamente por isso sempre o evitei. Os de coração partido com certeza sabem do que estou falando. Achei aquele negócio de conhecer a família muito estranho e me determinei a dizer não. Não deixaria que aquilo desse margem para um eventual relacionamento a dois.). Fecho aqui o parêntese.

- Então? Você vai?

- Vou o quê?

- Almoçar lá em casa no domingo e conhecer meus pais?

- Claro! (Desculpem. Eu não resistia àquelas pernas.)

O domingo chegou e sem muita dificuldade achei o 302 de um luxuoso prédio na zona sul. Era um apartamento grande e suntuoso, com uma vista perfeita daquela estátua gigante com braços abertos. (Sempre me perguntei por que colocaram aquele bloco inútil de cimento de frente pra área nobre da cidade e de costas para a periferia, mas isso já é outra história.)

Quando cheguei, ela já me esperava com um sorriso no rosto e um vestido minúsculo. Primeiro ela me apresentou a mãe: Uma mulher que vagamente lembrava os bons anos da filha, no auge de 46 verões e que parecia ser bem simpática, mas daquelas mães que gostam de ser “moderninha” (digo isso pelas gírias que a dita cuja se forçava a usar na esperança de que eu a achasse “super descolada” ou qualquer coisa do gênero).

Logo depois veio o pai: Grande, gordo, bigodudo, emburrado e com aquela cara de desprezo de quem diz “Então é esse o idiota que está comendo a minha filha?”. Um sogro clássico.

Conversamos á mesa de jantar enquanto comíamos algo que parecia ser uma lasanha.

Estava me saindo bem no teste até que chegou a sobremesa: pêssego em caldas. (Já falei que odeio pêssego?). Não me pergunte por que não consegui recusar. Bem que tentei, mas a desfeita poderia magoar as pernas. Malditas pernas.

Enfrentei as primeiras colheres com muita dificuldade e quando estava quase acabando, a mãe resolveu que eu gostaria de mais (Será que minha cara de nojo não foi convincente?) e foi até a cozinha para buscar a tigela. Camile foi atender ao telefone que tocava no quarto e o pai se escondeu no banheiro logo após a lasanha. Quando dei por mim estava sozinho. Apenas eu e a tigela de pêssego ainda por comer. Eu já não aguentava mais. Foi aí que olhei para o lado e me deparei com uma sacada e o que seria a tentativa de um canteiro com algumas plantas. Pra mim já era suficiente. Percebi que precisava me livrar rapidamente daquele negócio amarelo boiando na tigela à minha frente antes que a próxima rodada chegasse pelas mãos da mãe “moderninha”.

Não pensei duas vezes. Mirei no canteiro e arremessei o pêssego em direção à sacada, até que... BLINDEX! O VIDRO MAIS TRANSPARENTE QUE EU JÁ VI NA VIDA!

A sacada possuía uma porta de vidro que eu, no auge da minha estupidez míope, não havia percebido. Entrei em desespero quando vi aquele pedaço de pêssego escorrendo pelo vidro e num esforço inútil tentei limpar a sujeira que havia feito colocando a prova do crime de volta no pote.

Senti a presença de alguém atrás de mim e quando olhei, o pai estava na porta dizendo: “Se você não queria... era só falar.” E virou-se gritando pelo corredor: “Filha, vem ver o que o idiota do seu namorado fez.”

Nem preciso dizer como ficou a minha cara ao ver a mãe limpando a porta de vidro enquanto eu ia embora me humilhando em desculpas.

Vi Camile mais duas vezes depois disso, mas o encanto definitivamente acabou. Acho que ela não conseguiu mais olhar para mim sem pensar: “Você é idiota ou o quê?”

Não sou idiota. Sou apenas um cego que odeia pêssego e que quando tentou deixar uma boa impressão, acabou manchando a janela.

Ah! Que saudade daquelas pernas.

 
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