segunda-feira, junho 17, 2013

Antes do chuveiro‏

segunda-feira, junho 17, 2013
Ficaram ali, parados no tempo, se entre olhando durante alguns instantes. Ela soltou um gemido agudo e suspirou sobre o peito dele como quem deixa o prazer se desprender do corpo. Para ele, aquele som era a melhor sinfonia do mundo.
 

Passou as costas dos dedos sobre o seu rosto e ficou observando a gota de suor que escorria em direção às pintas da bochecha. Ele conhecia cada pinta daquele corpo perfeito e gostava de "brincar" de ligar os pontos entre cada uma. Adquiriu a mania de caminhar com os olhos sobre as curvas daquela pele. Ele achava que a cor dela deveria estar em cada quadro do mundo.
 

Ela rolou com preguiça para o lado e ele mordeu gentilmente seu ombro. Ela tinha um gosto doce que ele não conseguia explicar: era uma mistura de prazer, perfume e sabor que ele pensou que deveria estar em todos os pratos do mundo.  

Em um movimento arrastado ela disse:

- Vou pro banho... 

Ele sorriu com os olhos e ficou admirando ela andar em direção ao chuveiro. No caminho ela parou para ajeitar um dos quadros de bandas de Rock que lotavam o quarto dele. Da cama, ele ficou observando como ela contorcia os dedos dos pés com medo da água fria antes de entrar no chuveiro. Ele achava aquele "sambar" acanhado dentro do Box, mais atraente que qualquer coisa no mundo. 

Ela ligou o chuveiro e, de súbito, ele se deu conta de tudo que estava pensando. Começou a recapitular as memórias até aquele momento. Como se conheceram, quando foi o primeiro beijo, onde foi a primeira transa etc. Percebeu que não havia mais volta e que aquela pele morena já havia ocupado um espaço maior que a sua cama ou o seu quarto. Ela já o havia conquistado por inteiro.

Com os olhos perdidos na direção da luz fraca que passava pela fresta do banheiro, começou a pensar se não era melhor acabar com aquela relação. Ele sempre evitou, sem saber direito o porquê, relacionamentos muito longos. Não deixava nada se estender além da conta de uma vida que ele não sabia se queria. Gostava de se permitir aos egoísmos da vida sozinho, como a cama só pra ele e ninguém mexendo nas suas coisas. 
Mas a cama ficava tão mais interessante com ela nos lençóis... e seu quarto nunca foi tão arrumado. 

Não importa! É melhor resolver isso de uma vez antes que seja tarde, disse a razão.

Eu não me importo! Deixe acontecer ao menos uma vez antes que seja tarde, disse o coração.

Repentinamente ela gritou do chuveiro: 

- Você não vem?

Ele sentou sobre as mãos na beira da cama. Olhou para os lados e para o teto, como se esperasse alguém dar a resposta por ele. Levantou num suspiro preparado para carregar o mundo nas costas e andando em direção ao chuveiro disse: 

- Mas é claro que eu vou...

sexta-feira, maio 17, 2013

Me apaixonei pela minha terapeuta

sexta-feira, maio 17, 2013


"Não sei direito o que aconteceu!" Disse eu,enquanto me ajeitava no sofá da terapeuta e entrava nos detalhes da minha última falsa desilusão. Conforme descrevia os pormenores das minhas traumáticas relações para a Dr.ª Sônia, comecei a recapitular na cabeça os acontecimentos dos meses anteriores e o real motivo de eu estar ali.

Cerca de sete meses atrás, quando a criatura que eu acreditava ser a mulher da minha vida desmanchou a relação de alguns anos, entrei naquele vórtice poético de sexo, drogas e rock n’ roll. Tentava toda noite preencher o vazio que ela deixou, satisfazendo-me com álcool e dois cubos de gelo, por favor. A cama que já não tinha mais o formato do seu corpo, só era desfeita quando os lençóis acusavam mais uma noite efêmera e sem sentido. E o rock n’ roll ficava por conta da música de cada novo bar que eu adentrava. 

Noite dessas, o garçom (provavelmente com pena do estado em que eu me encontrava) me incentivou à procurar um terapeuta. Abro aqui um parêntese: meus melhores conselheiros sempre foram Nietzsche, Schopenhauer e os outros livros que lia desde sempre. Para mim não fazia muito sentido em pagar alguém apenas para me ouvir. Mas, sem nada a perder, aceitei a sugestão e procurei a clínica que o garçom indicou. Foi aí que o maldito destino me apresentou à Dr.ª Sônia. 

Uma morena de curvas perfeitas, cabelos longos que se dividiam nos ombros e quase alcançavam a cintura sinuosa, olhos que me hipnotizavam através daqueles óculos desajeitados e uma boca que me enchia de desejo toda vez que mordia a ponta da caneta antes de começar a escrever. Me apaixonei pela minha terapeuta. 

A partir daí senti vontade de ver Dr.ª Sônia todo dia, mas como a hora da consulta era muito cara, me contentei em visitá-la uma vez por semana (afinal, havia me apaixonado, não ficado rico). Durante os meses que se passaram comecei a inventar estórias de relacionamentos trágicos e mal acabados para contar nas consultas e assim estender minha relação com a Dr.ª. Eu criava as mais loucas situações e as contava como se fossem a mais pura verdade (algumas até eram), passava a semana inteira pensando em novas mentiras para cada vez que a visse. Inventar estórias apenas para contar à minha terapeuta se tornou uma obsessão, mas ela nunca demostrava uma reação que me desse sequer esperança de um romance. 

Hoje resolvi dar um basta nesta situação.

Retornei dos meus pensamentos e repentinamente disse:

- Estou apaixonado por você Dr.ª.

-Como assim? Ela respondeu assustada.

- Preciso confessar que todas estas estórias são uma grande mentira. Eu venho aqui há meses apenas para lhe ver. Estou apaixonado e não consigo mais sustentar estes falsos casos. Quando entrei nesta sala e a vi pela primeira vez, percebi o quão idiota estava sendo procurando um copo cheio para um peito vazio. 

Ela ficou parada me olhando atônita e ainda absorvendo tudo o que eu disse.
"Como alguém pode ser tão louco assim", deveria estar passando em sua cabeça. De repente ela voltou a falar.


- Eu também preciso confessar uma coisa.

- Sim! Diga, por favor.

- Eu não sou a Dr.ª Sônia.

-Hã? O que você quer dizer?

- Eu sou apenas a assistente dela. Na primeira vez que você chegou aqui, estava tão desesperado que me confundiu com a Dr.ª. Eu me identifiquei com a sua história e não tive coragem de desfazer o mal entendido. Acho que acabei me apaixonando por você também.

Recebi aquilo como um soco no estômago. O que foi que aconteceu este tempo todo? Eu estava realmente apaixonado ou foi só mais uma invenção da minha cabeça para esquecer meu antigo afeto? Ainda desnorteado corri para o telefone em cima da mesa de escritório e comecei a discar.

- O que você está fazendo? O telefone tocou do outro lado da sala. 

- Ligando para a minha terapeuta. A Dr.ª Sônia precisa saber disso.




segunda-feira, março 19, 2012

Meu avô sabia das coisas

segunda-feira, março 19, 2012
Foi dia desses que revirando as coisas no meu quarto de adolescente achei uma caixa velha.
Já fazia algum tempo que não voltava ao antigo bairro, à antiga casa e às antigas emoções. Não que houvessem complexos (além dos normais) na minha infância, mas a vida agitada e corrida do mundo adulto me impediu de voltar por muitos anos, até que minha mãe me convenceu a fazer uma visita.
Talvez por um lapso muito estranho de saudade dos meus 15 anos, resolvi arrumar meu velho quarto. Todo cômodo estava intacto desde que o deixei para ir morar sozinho.
Até que revirando em baixo da cama encontrei esta caixa.

¬- Mãnheeeeeeee! Que caixa é essa em baixo da minha cama?

- Não sei. Era do seu avô. Resolvi guardar algumas coisas aí depois que ele morreu.

Abro aqui um parêntese sobre meu avô: era um cara que sabia das coisas.

Um português sábio, nascido no fim da 2ª guerra, um romântico incurável que durante toda a minha infância, me ensinou como ser um homem decente, de bons costumes e tratar bem as mulheres. Passando para mim tudo que ele sabia e formando boa parte do meu caráter. Devo agradecer a ele o complexo de cavalheirismo que desenvolvi ao longo dos anos, bem como algumas decepções nos assuntos do coração.

Fecho aqui o parêntese sobre meu avô.

Abri a caixa e no meio de algumas fotos e cartas encontrei um velho poema, que aparentemente ele havia escrito para alguma namorada. Um flerte a distância que por qualquer motivo, parecia não ter dado certo. Seguia-se assim: 

“Quando a vida passar nos teus olhos
Você vai perceber que o amor
Sempre enxerga além, até bem demais
E só ele importa

Para ter certeza de que vai gostar do que vai ver
Ignore todas as distâncias que puder
O mal do homem nunca foi o medo, somente a preguiça
Corra sempre atrás de quem te atiça

Do beijo diferente que só você sentiu
Do sorriso a mais, que mais ninguém viu
Pelo amor até se vê aquele outro ser
Diferente de todos os outros
Por ser bobo igual a você

E de baixo da sua chuva de alegria
Escrevo essa canção pra te lembrar
E sem querer admitir
Um dia poder te esquecer

Vou ficar com a impressão de amor
De uma bebida cheia de gosto e cheia de teor
Mas quando você desistir
Do seu último copo-abrigo
Eu vou insistir
Pois não sou só seu amigo

E com esse falso giz
Ela apenas me diz
Que quando for
O dia iluminando o mar
Eu vou ser areia fria sem luz, nem luar”

Definitivamente meu avô sabia das coisas...
 
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